Thursday, April 26, 2007

Crítica a Hegel e à dialética hegeliana

Segundo Popper, Platão acreditava que as idéias, ou essências, existiam anteriormente às coisas. Estas, dadas as suas imperfeições, se encontram em um fluxo direcionado à decadência. Já Hegel, assim como Aristóteles, acreditava que as idéias, ou essências, são as coisas que se encontram no fluxo. De acordo com o autor, TUDO o que existe na realidade é uma idéia, mas é preciso distinguir entre a aparência e a essência já que ¨as coisas não são como elas aparentam ser¨. Assim como Platão e Aristóteles, Hegel concebia as essências das coisas, pelo menos dos organismos (incluso o Estado), como ¨espíritos¨. Porém, ao contrário de Platão, e assim como Aristóteles, Hegel pregava que a tendência geral era direcionada à idéia, ao progresso.

Apesar de o autor afirmar, assim como Platão, que a coisa perecível tem sua base na essência, e origina dela, Hegel insiste, em oposição a Platão, que até as essências desenvolvem. As essências estão consistentemente emergindo e criando por conta própria. E elas se impulsionam para uma auto-realizável e auto-realizada causa final aristotélica. A causa final, ou fim do desenvolvimento das essências, é o que Hegel chama de ‘The absolute Idea’ ou ‘The Idea’.

¨We can say that Hegel’s world of flux is in a state of ‘emergent’ or ‘creative evolution’; each of its stages contains the preceding ones, from which it originates; and each stage supersedes all previous stages, approaching nearer and nearer to perfection. The general law of development is thus one of progress; but, as we shall see, not of a simple and straightforward, but of a ‘dialectic’ progress.¨ Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

Continuando com Popper, Hegel, assim como Platão, enxergava o Estado como um organismo; e seguindo Rousseau, que o proveu de uma vontade geral, Hegel o proveu com uma essência consciente e pensativa; sua ¨razão¨ ou ¨espírito¨. Para um essencialista, conhecimento ou entendimento de um Estado deve claramente significar conhecimento de sua essência ou espírito. Daí a posição dos historicistas de que a maneira para obter o conhecimento de instituições sociais como o Estado é estudando sua história, ou a história de seu ¨espírito¨. O espírito de uma nação determina seu escondido destino histórico, e toda nação que quiser emergir na existência deve afirmar sua individualidade ou alma ao entrar no ¨Estágio da História¨, ou seja, guerreando com outras nações; o objetivo da guerra é o domínio do mundo. Hegel, assim como Heráclito, acredita que a guerra é o pai e o rei de todas as coisas. Assim como Heráclito, ele acredita que a guerra é justa.

Verifiquei pessoalmente se Popper tinha ou não razão. Vejamos alguns trechos do Philosophy of Right:

“finite pursuits are rendered unstable, and the ethical health of peoples is preserved. Just as the movement of the ocean prevents the corruption which would be the result of perpetual calm, so by war people escape the corruption which would be occasioned by a continuous or eternal peace.”

Parece-me bastante clara a afirmação de Hegel, considerando paz eterna algo corrupto. Lamentável.

¨325. Sacrifice for the sake of the individuality of the state is the substantive relation of all the citizens, and is, thus, a universal duty. It is ideality on one of its sides, and stands in contrast to the reality of particular subsistence. Hence it itself becomes a specific relation, and to it is dedicated a class of its own, the class whose virtue is bravery.¨

Quer dizer que, segundo Hegel, nós nos sacrificarmos diariamente pelo bem da individualidade do Estado, ou seja, nossos representantes, é um dever universal. Ou seja, o indivíduo, uma ¨mera abstração¨, é lixo descartável em prol da coletividade – o indivíduo concreto. Totalitário.

¨Addition.—Modern wars are carried on humanely. One person is not set in hate over against another. Personal hostilities occur at most in the case of the pickets. But in the army as an army, enmity is something undetermined, and gives place to the duty which each person owes to another.¨

A afirmação é de uma ridicularidade, de uma ignorância, de uma cretinice tão esdrúxula, que não merece comentários. O que diria ele se tivesse presenciado os atos da Primeira e Segunda Guerra Mundial?

¨The destinies and deeds of states in their connection with one another are the visible dialectic of the finite nature of these spirits. Out of this dialectic the universal spirit, the spirit of the world, the unlimited spirit, produces itself. It has the highest right of all, and exercises its right upon the lower spirits in world-history. The history of the world is the world’s court of judgment

Ou seja, os higher spirits têm TODOS os direitos sobre os lower spirits. Mas quem determina o que é um higher ou um lower spirit? Might is right? Certamente Popper tem bastante credibilidade em sua análise sobre Hegel.

Como já visto, Hegel parece partir do princípio de que a guerra é justa e, assim como Heráclito, Hegel generaliza sua doutrina a expandindo para o mundo da natureza, interpretando os contrastes e as oposições das coisas, a polaridade dos opostos, etc., como um tipo de guerra, e uma força mobilizadora do desenvolvimento natural. De acordo com Popper, são dois os pilares da filosofia hegeliana, a triagem dialética (tese, antítese e síntese) e a filosofia da identidade.

A dialética de Hegel

Kant, no The Critique of Pure Reason, faz um ataque violento à metafísica demonstrando que a razão especulativa é insustentável. Segundo Popper, Hegel jamais tentou refutar Kant. Ele distorceu a visão de Kant para o oposto. A ¨dialética¨ kantiana, o ataque à metafísica, se tornou a ¨dialética¨ hegeliana, o instrumento principal da metafísica.

Kant, sob influência de Hume, afirmou que a especulação ou a razão pura, quando se aventura em um campo que não pode ser confirmado pela experiência, está sujeita a se envolver em contradições ou ¨antinomias¨ e produzir o que ele descrevia por mera bobagem, ilusão, dogmatismo estéril, e uma pretensão superficial para o conhecimento de tudo. Ele tentou demonstrar que para cada afirmativa metafísica ou tese, a respeito por exemplo do começo do mundo dentro do tempo, ou a existência de Deus, pode ser contrastada uma antítese; e ambas podem proceder das mesmas premissas, e podem ser provadas com um grau equivalente de ¨evidências¨. Em outras palavras, quando saímos do campo da experiência, nossa especulação não pode ter status científico, já que para cada argumento pode haver um igualmente válido contra-argumento. A intenção de Kant, segundo Popper, era acabar de uma vez por todas com a ¨maldita fertilidade¨ dos escritores metafísicos. Infelizmente, o que Kant impediu foi o uso de argumentos racionais pelos metafísicos. Segundo Popper, nenhum dos escritores metafísicos que vieram após Kant tentou refutá-lo; e Hegel, particularmente, ainda teve a audácia de comemorá-lo por ¨reviver o nome da dialética, que ele restaurou a seu posto de honra¨.

¨He taught that Kant was quite right in pointing out the antinomies, but that he was wrong to worry about them. It just lies in the nature of reason that it must contradict itself, Hegel asserted; and it is not a weakness of our human faculties, but it is the very essence of all rationality that it must work with contradictions and antinomies; for this is just the way in which reason develops. Hegel asserted that Kant had analysed reason as if it were something static; that he forgot that mankind develops, and with it, our social heritage. But what we are pleased to call our own reason is nothing but the product of this social heritage, of the historical development of the social group in which we live, the nation. He taught that Kant was quite right in pointing out the antinomies, but that he was wrong to worry about them. It just lies in the nature of reason that it must contradict itself, Hegel asserted; and it is not a weakness of our human faculties, but it is the very essence of all rationality that it must work with contradictions and antinomies; for this is just the way in which reason develops Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

O engraçado é que Hegel sequer foi original. Já que Kant havia pensado que a razão especulativa freqüentemente produziria antinomias, onde os argumentos são tão válidos para uma tese quanto para uma antítese, a noção de que as antinomias talvez poderiam ser superadas por uma síntese (outro termo kantiano), que de alguma forma transcenderia as contradições, já estava corrente antes de Hegel, em Fichte. Segundo o doutor Kelley L. Ross, Hegel abraçou tal ¨lógica¨ de uma forma um tanto intensa, que a tese era uma afirmação (¨em si mesma¨), a antítese era a negação (¨para si mesma¨), e a síntese era a negação da negação (¨em si mesma e para si mesma¨).

Ordinariamente na lógica, uma dupla negação seria equivalente à negação, i.e. a afirmação. Negando isso, Hegel nega o princípio do terceiro excluído, que estabelece que uma afirmação P num sistema lógico formal é "ou verdadeira ou falsa" não podendo, portanto, ser nem "falsa e verdadeira" nem tão pouco "nem falsa nem verdadeira". Estas duas proibições constituem em si mesmas o terceiro excluído que delimita o espaço lógico das matemáticas tradicionais. Por isso, de acordo com Kelley, nenhum logicista de respeito jamais deu muita importância ao sistema de Hegel.

¨The formalism of Kant, and the Procrustean Bed of his architectonic, achieve a kind of mad apotheosis with Hegel's theory, where all the complexity of the world is apparently formally generated by multiplication of negations. Since this is ridiculous, either there is meaning that is not captured by the formalism of the Dialectic, which means that nothing is unambiguously derived by Hegel's "Logic," or negation itself becomes a mere metaphor for opposition or conflict, the way it is typically later used by Marxists (one of whose favorite phrases is about the "contradictions of capitalism").¨ Kelley L. Ross

A dialética hegeliana começa com uma tese, uma afirmação, o ¨Sendo¨. A negação disso é uma antítese, o ¨Não-Sendo¨. Ok. A negação da negação é então a síntese, o ¨Tornando¨. De fato, ¨Tornando¨ pode ser considerado a negação de ambos ¨Sendo¨ e ¨Não-Sendo¨, já que não é de fato nada nem o que virá a se tornar (o absoluto). Parmênides, no entanto, já havia negado que ¨Tornando¨ poderia preencher o buraco entre puro ¨Sendo¨ e ¨Não-Sendo¨. As coisas que vêm a ser requerem uma substância preexistente e durável, de modo que elas não sejam literalmente nada antes de elas se tornarem o que elas estão se tornando. Isso acaba com a dialética hegeliana, já que há claramente outros conceitos além da negação (como substância) requeridos para passar de ¨Sendo¨ para ¨Não-Sendo¨ e daí para ¨Tornando¨.

Além disso, apesar de Popper não negar que o progresso científico algumas vezes surge graças às críticas, posto que toda crítica científica consiste em apontar as contradições ou discrepâncias, e a evolução científica consiste largamente na eliminação das contradições sempre que descobertas; Popper afirma, no entanto, que a ciência procede de acordo com a premissa de que contradições são não-permissíveis e evitáveis, de modo que a descoberta de uma contradição força o cientista a fazer todas as tentativas possíveis para eliminá-la; e de fato, uma vez que uma contradição é admitida, toda a ciência deve entrar em colapso.

¨But Hegel derives a very different lesson from his dialectic triad. Since contradictions are the means by which science progresses, he concludes that contradictions are not only permissible and unavoidable but also highly desirable. This is a Hegelian doctrine which must destroy all argument and all progress. For if contradictions are unavoidable and desirable, there is no need to eliminate them, and so all progress must come to an end. But this doctrine is just one of the main tenets of Hegelianism. Hegel’s intention is to operate freely with all contradictions. ‘All things are contradictory in themselves’, he insists, in order to defend a position which means the end not only of all science, but of all rational argument. And the reason why he wishes to admit contradictions is that he wants to stop rational argument, and with it scientific and intellectual progress. By making argument and criticism impossible, he intends to make his own philosophy proof against all criticism, so that it may establish itself as a reinforced dogmatism, secure from every attack, and the unsurmountable summit of all philosophical development Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

A filosofia da identidade

De acordo com Popper, a filosofia da identidade não passa de uma aplicação da dialética de Hegel e consiste, nas palavras do próprio, em ¨fantasias, até mesmo fantasias imbecis¨. A principal idéia, e ao mesmo tempo a ¨ligação¨ entre a dialética hegeliana e sua filosofia da identidade, é a doutrina heraclitiana da unidade dos opostos. ¨O caminho que leva para cima e o caminho que leva para baixo são idênticos¨, Heráclito dizia, e Hegel repete a mesma coisa ao afirmar: ¨O caminho para o oeste e o caminho para o leste são os mesmos.¨

¨This Heraclitean doctrine of the identity of opposites is applied to a host of reminiscences from the old philosophies which are thereby ‘reduced to components’ of Hegel’s own system. Essence and Idea, the one and the many, substance and accident, form and content, subject and object, being and becoming, everything and nothing, change and rest, actuality and potentiality, reality and appearance, matter and spirit, all these ghosts from the past seem to haunt the brain of the Great Dictator while he performs his dance with his balloon, with his puffed-up and fictitious problems of God and the World. But there is method in this madness and even Prussian method. For behind the apparent confusion there lurk the interests of the absolute monarchy of Frederick William. The philosophy of identity serves to justify the existing order. Its main upshot is an ethical and juridical positivism, the doctrine that what is, is good, since there can be no standards but existing standards; it is the doctrine that might is right Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

Como tal doutrina foi derivada? Através de uma série de equívocos. Platão dizia que as idéias são reais, e as coisas perecíveis são irreais. Hegel adota de tal doutrina a equação Idéia = Real. Kant falava, em sua dialética, sobre as ¨idéias da razão pura¨, usando o termo ¨idéia¨ no sentido de ¨idéias existentes na mente¨. Hegel adota de tal doutrina que idéias são algo mental ou espiritual ou racional, o que pode ser expressado na equação Idéia = Razão. Combinando as duas equações, ou, segundo Popper, equívocos, temos Real = Razão; e isso permite que Hegel afirme que TUDO que é racional deve ser real, e TUDO que é real deve ser racional, e o desenvolvimento da realidade é o mesmo da razão. E já que não pode haver um padrão maior em existência do que o último desenvolvimento da Razão e da Idéia, TUDO que é agora real ou atual existe por necessidade, e deve ser razoável além de bom.

¨All that is reasonable is real, we have seen. This means, of course, that all that is reasonable must conform to reality, and therefore must be true. Truth develops in the same way as reason develops, and everything that appeals to reason in its latest stage of development must also be true for that stage. In other words, everything that seems certain to those whose reason is up to date, must be true. Self-evidence is the same as truth. Provided you are up to date, all you need is to believe in a doctrine; this makes it, by definition, true. In this way, the opposition between what Hegel calls ‘the Subjective’, i.e. belief, and ‘the Objective’, i.e. truth, is turned into an identity; and this unity of opposites explains scientific, knowledge also. ‘The Idea is the union of Subjective and Objective .. Science presupposes that the separation between itself and Truth is already cancelled.’¨ Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

Vejamos se Popper tem razão. Verifiquei alguns trechos do livro Science is logic:

¨§133. Nothing, pure nothing: it is simply equality with itself, complete emptiness, absence of all determination and content −− undifferentiatedness in itself. In so far as intuiting or thinking can be mentioned here, it counts as a distinction whether something or nothing is intuited or thought. To intuit or think nothing has, therefore, a meaning; both are distinguished and thus nothing is (exists) in our intuiting or thinking; or rather it is empty intuition and thought itself, and the same empty intuition or thought as pure being. Nothing is, therefore, the same determination, or rather absence of determination, and thus altogether the same as, pure being

¨§134. Pure Being and pure nothing are, therefore, the same. What is the truth is neither being nor nothing, but that being −− does not pass over but has passed over −− into nothing, and nothing into being. But it is equally true that they are not undistinguished from each other, that, on the contrary, they are not the same, that they are absolutely distinct, and yet that they are unseparated and inseparable and that each immediately vanishes in its opposite. Their truth is therefore, this movement of the immediate vanishing of the one into the other: becoming, a movement in which both are distinguished, but by a difference which has equally immediately resolved itself.¨

¨ Being is being, and nothing is nothing, only in their contradistinction from each other; but in their truth, in their unity, they have vanished as these determinations and are now something else. Being and nothing are the same; but just because they are the same they are no longer being and nothing, but now have a different significance. In becoming they were coming−to−be and ceasing−to−be; in determinate being, a differently determined unity, they are again differently determined moments. This unity now remains their base from which they do not again emerge in the abstract significance of being and nothing. ¨

Vemos em tais trechos que como o conceito de ¨Sendo¨ (ou Being) é muito abstrato e sem conteúdo, ele está mais para o conceito de ¨Não-Sendo¨ (ou Nothing), o que significa que ¨Sendo¨ implica ¨Não-Sendo¨. Este é um argumento do tipo se extintores de incêndio são vermelhos, e vermelho está mais para rosa, então extintores de incêndio são rosa.

Como uma pessoa sã, ou pelo menos sensata, poderia levar a sério tais argumentos é incompreensível. ¨Não-Sendo¨ é similar em conteúdo a ¨Sendo¨ só porque é a negação de ¨Sendo¨, assim como o conjunto nulo é a negação, o complemento, do conjunto universal. Isso implica nada. A idéia de que a negação de um conceito se aplica igualmente para aquela cujo conceito pode ser afirmado simplesmente acabaria com a Lei da Não-Contradição. Algo desse tipo, de fato, é o ¨método¨ hegeliano; mas Aristóteles já havia entendido que qualquer coisa do tipo tornaria a afirmação de qualquer coisa sobre qualquer coisa absolutamente sem sentido. Assim, se eu afirmo que Hegel é um tremendo de um charlatão, tal assertiva pode ser contraditada pelos apologistas hegelianos, mas eles não podem negar a igual verdade de minha assertiva, ou que suas contra-argumentações estão implicadas, de acordo com o princípio de Hegel, pela minha. E suas afirmações de que Hegel era um grande filósofo implicam a minha de que ele era um charlatão. Os apologistas de Hegel não podem, entretanto, afirmar nada sem permitir que a negação está implícita em suas próprias assertivas. A lógica de Hegel não tem lógica NENHUMA.

Roberto Miranda Colares Júnior

Fontes:
Karl Popper, The Open Society And Its Enemies
Kelly Ross, Hegel (http://www.friesian.com/hegel.htm)
Hegel, Philosophy of Right
Hegel, Science is Logic
Hegel, Encyclopaedia of the Philosophical Sciences

Saturday, April 14, 2007

Não há alternativa à democracia

As "esquerdas" ainda cultivam a ilusão de que é possível uma alternativa à democracia, que sorrateiramente continuam designando como "burguesa" ou "capitalista". Por que isto é uma ilusão? Vamos às lições da história, com seus fartos exemplos ditatoriais.

No sangrento século XX, houve três grandes tentativas de "escapar" do sistema capitalista e das instituições democráticas (que, aliás, só funcionam razoavelmente bem nos países capitalistas): a nazista, a fascista e a comunista.

Nenhuma delas deixou qualquer contribuição em termos institucionais, ou seja, essas pretensas alternativas não produziram nem sequer uma "instituição nova", ou mesmo remendada. Se estendermos a questão ao campo da estética, veremos que não deixaram um só traço novo também nas artes ou na arquitetura. Nada, absolutamente nada.

Além do zero em estética, em termos institucionais apenas destruíram o que funcionava, solapando a democracia e produzindo os horrores que a história jamais esquecerá. Não deixaram dúvida de que ditadura, em qualquer tempo, é simplesmente ditadura, seja à esquerda ou à direita - seu único produto é a supressão absoluta das liberdades e dos direitos, quando não da vida.

Por mais frágeis que sejam, as instituições e as regras da democracia são o que criamos de melhor no labirinto da história em que nos movemos, sem a desvairada pretensão de profetizar uma "saída". Todas as tentativas de "superá-las", sob a ilusão de realizar o paraíso na terra, engendraram apenas o inferno. E, se há alguma diferença entre essas tentativas, é apenas quanto ao número de cadáveres que deixaram para trás.

Em relação à história, nenhum partido ou movimento tem a posse de um saber definitivo ou de uma verdade absoluta. Somente aprendemos (nem todos, é verdade) tentando: errando e, eventualmente, acertando. Mas sem a convicção de sermos os depositários de algum conhecimento superior ou exclusivo sobre a "finalidade" da história, isto é, seu miraculoso "fim último". Tudo isto não passa de uma teologia sem Deus.

Orlando Tambosi - Professor da Universidade Federal de Santa Catarina

Wednesday, April 11, 2007

O Aborto

O Aborto

Por Reginaldo Almeida (Desde a Cidade do México)

Não é para menos que o aborto esteja causando um debate acalorado. Foi em Portugal, está sendo no Brasil e aqui no México também. É interessante que o aborto, tanto no Brasil como no México sejam uma bandeira das esquerdas. Nunca me dei o trabalho de buscar ler a respeito ou mesmo formular algum tipo de lógica, mas eu simplesmente não acredito em coincidências.

Antes de ser candidato a pai (minha mulher está grávida de 10 semanas), tinha uma posição muito mais liberal a respeito do tema. Sei o que é ser adolescente, com todo o repertório de camisinhas e anti-concepcionais, não me considero um ignorante, e nem por isso posso dizer que não passei um ou outro apuro quando a bendita regra atrasou, e não posso negar que naqueles tempos eu não tenha considerado o aborto como uma opção válida.

O fato é que hoje eu vejo o ultra-som do nosso(a) filho(a) e vejo o coraçãozinho batendo e me pergunto: quem teria coragem de, vendo tudo isso, ainda assim dar fim a esse serzinho? Acontece que o nosso nenê foi planejado e desejado, e dentro dessas circunstâncias, tal ato seria impensável.

Mas antes de falar de ética, vamos falar de lei. Entendo que no México não é permitido, porém, no Brasil, se uma mulher resultar grávida fruto de um estupro, o conseqüente aborto está completamente amparado pela lei. Os mais açodados afirmariam que é uma vida igual a qualquer outra. Concordo. Mas infelizmente não existe gestação mais indesejada que a oriunda de um estupro. Obrigar uma mulher a levar dentro de si por 9 meses o produto de uma violência é querer submetê-la a outra violência. Nesse caso é acreditar que a vida do filho (produto do estupro) vale mais que a vida da mãe (que certamente estará em pedaços). Nesse caso vou com a mãe.

Apesar de ser contra o aborto, ainda assim sou pro-choice. Acredito que essa deva ser uma decisão da mulher ou do casal. O meu grande medo é que o aborto se banalize e vire apenas mais um método contraceptivo. E nisso eu vejo duas conseqüências concretas: um aumento no custo da saúde, já que seria um procedimento normal (ou seja, todos nós pagaríamos os abortos de alguns) e a própria saúde da mulher, já que sabemos que abortos repetitivos trazem consigo seqüelas no que tange à fertilidade.

Também me pergunto por que as mulheres não teriam o conhecimento adequado para usar os métodos contraceptivos existentes (aqui considero inclusive a pílula do dia seguinte - depois falo dela) mas sim o teriam para decidir abortar. Eu realmente sinto algum cheiro de casuísmo político.

E por falar em política, vamos falar um pouco de coerência. Mesmo sabendo que falar de PT e falar de coerência é o mesmo que pregar num deserto (isso vale para todos os partidos, ao PT lhe toca mais porque está no poder), eu me pergunto porque o PT reage tão rispidamente contra a instituição da Pena de Morte (ou a diminuição da maioridade penal - isso me lembra das tiradas da massa encefálica dentro do cérebro do Lula), mas ao mesmo tempo defende a legalização do aborto. Não entendo porque seria tão absurdo executar um criminoso que já tenha dado inúmeras provas de que nunca mais poderia voltar ao convívio da sociedade (Fernandinho Beira-Mar, Marcola, Elias maluco, etc), mas é razoável executar a um feto sem culpa. Apenas para a reflexão.

Apesar de ser contra o aborto, quem sou eu ou quem somos nós para apontar e julgar uma mãe que tenha optado pelo mesmo? Não acredito que o aborto se torne um esporte, e certamente, uma mãe que opte pelo mesmo, terá cicatrizes psicológicas pelo resto da sua vida. Como não creio que este seja um ideal de vida, acredito que realmente seria usado como último recurso. Mas defendo veementemente que seja estabelecido um limite muito estrito de quanto tempo seria o tempo razoável para realizar o procedimento. Já li 45 dias e penso que possa ser um prazo razoável para a detecção da gravidez.

Quanto à pílula do dia seguinte, na maioria dos estupros, a mesma já é uma medida profilática para evitar a gravidez indesejada, assim que nesses casos, se há ou houve um acompanhamento profissional do episódio, nunca se chegaria às vias de fato de um aborto.

E você leitor, o que pensa?

Thursday, April 05, 2007

Classe média

A conceituação de classe média pressupõe a existência de duas outras classes, uma alta(ricos) e outra baixa(pobres).

A classe pobre não possui intelectuais. Uma pessoa de origem pobre que acabe por ser tornar um intelectual(supondo que a pobreza não foi um impedimento para que alcançasse tal formação)provavelmente deixará de ser pobre. A remuneração de um trabalho intelectual, seja no setor privado, seja no público, coloca o indivíduo na classe média ou na alta.

Quando se critica, portanto, uma determinada reação como típica da classe média, o próprio acusador provavelmente pertence a esta classe, ou até mesmo a uma classe superior.

O indivíduo pode alegar que está apenas criticando a reação típica, e que, apesar de pertencer à classe média, o seu discurso foge à norma, pois é um intelectual. Mas o intelectual, devido à remuneração do seu trabalho, provavelmente não é pobre, apesar de esta poder ser sua origem. Ou seja, o próprio exercício da crítica é típico da classe média, ou até mesmo dos ricos.

Uma outra tentativa de reformular a crítica é dizer que, apesar de sua posição de intelectual provavelmente o ligar à classe média, seu comportamento se distingue por levar em conta os problemas dos pobres, enquanto os outros intelectuais apenas justificariam a posição do grupo a que pertencem. Mas afirmar isto é ser redundante, pois todos os intelectuais pertencem às classes mais elevadas e, portanto, os diferentes posicionamentos políticos estarão representados naquela parte da sociedade.

Dizer que se foge da norma por tomar partido de outra classe, quando na verdade toda atividade intelectual está contida na classe a qual se pertence, significa ignorar que "tomar partido dos pobres" é, portanto, uma posição ligada ao comportamento daqueles que possuem renda média e dos ricos.

A última opção que nos resta, portanto, é reformular a crítica à classe média como sendo legítima apenas quando parte de pessoas que possuem origem pobre. Ou seja, seria através destas pessoas que a voz dos pobres ganharia força. Necessitamos de uma análise empírica para testar esta hipótese, a saber, se os intelectuais de origem pobre aderem ou não ao discurso crítico da posição de classe média. E, do ponto de vista histórico, investigar se os intelectuais que primeiro formularam esta crítica eram de origem pobre.

Mas uma outra análise empírica nos revelará uma informação importante: se a maior parte dos intelectuais que criticam a classe média enquanto grupo possui origem pobre.