Sunday, September 30, 2007

O Indivíduo na História: comentários sobre o papel da ação individual no curso dos eventos históricos, a partir de reflexão do antropólogo Marshall Sahlins e ensaio histórico do historiador John Lukacs

O papel do indivíduo no curso dos eventos históricos foi diferentemente valorado ao longo da trajetória da disciplina História; essas variações se devem a diferentes formas de se enxergar a produção de verdades históricas, e podemos encontrá-las tanto em um mesmo momento – diferentes escolas e teorias sociais enxergam diferentemente a questão – quanto em diferentes temporalidades – há momentos de maior ou menor aceitação ou ao menos discussão do quanto um indivíduo pode ser responsável por determinados eventos históricos. Faz parte da história da disciplina considerarmos que o indivíduo teve um papel fundamental naquilo que chamamos de historiografia positivista, aquela que se confunde com o próprio surgimento da História como ciência – ou ao menos como algo que aspira ser ciência. Tínhamos então uma pesquisa histórica focada em indivíduos, notadamente os “grandes homens”: os grandes estadistas, grandes artistas, grandes gênios. A história era conduzida por eles – os grandes estadistas, exercendo poder de mando, teriam condições de orientar totalmente as políticas desse ou daquele país, produzir guerra ou paz, prosperidade ou pobreza; os grandes artistas se destacavam da mediocridade de seus copistas, revolucionavam as formas de se fazer arte, mudando conceitos e produzindo novos padrões de belo e feio; aos grandes gênios caberiam os grandes progressos tecnológicos e científicos, frutos sempre de mentes um tanto excêntricas mas sempre privilegiadas, trabalhando quase que em um universo próprio, só deles, alheios ao estéril turbilhão das ruas. Essa perspectiva foi criticada de diferentes pontos ao longo do século XX, por diferentes visões de uma História determinada por estruturas – destacam-se aqui o marxismo e o próprio estruturalismo. Pretender enxergar poder em indivíduos isolados seria se deixar enganar pela ilusão das superfícies; o indivíduo age, assina, mas só o faz de acordo com estruturas anteriores, que o transcendem e – nesse momento – o determinam. A guerra já estava dada: ocorreria porque determinada burguesia nacional precisaria de uma expansão de mercado inviabilizada pelas políticas protecionistas e colonialistas desse ou daquele vizinho; o governante ou estadista, representante dos interesses daquela classe – da qual ele mesmo provavelmente é oriundo – só daria um caráter oficial à decisão que, mais do que tomada às costas dele, muitas vezes não é sequer decisão de fato: algo maior que aquela própria burguesia nacional – um “curso natural da História” – já teria decidido por todos, líder, burguesia, povo. Esse é um exemplo de tantos: aqui temos determinismo econômico de corte marxista, mas poderia ser um determinismo de tons culturalistas, que visse a mesma guerra como inevitável pela importância do caráter bélico na formação identitária do povo agressor, a partir de uma unificação tardia realizada em diferentes guerras contra vizinhos. De toda forma a guerra seria historicamente inevitável. Tais perspectivas foram gradualmente se modificando de forma a substituir “determinantes” por “condicionantes”, de forma que hoje a perspectiva do determinismo absoluto migrou quase que absolutamente da Academia para os manuais partidários de extremistas ideológicos; dificilmente o acadêmico mais simpático a estruturas quaisquer dirá hoje que tal ou qual evento aconteceria de todo jeito, de forma totalmente independente daqueles indivíduos responsáveis por levá-lo adiante – recuperando o exemplo citado, esse historiador provavelmente relativizaria a “burguesia nacional”, mostrando que o líder teria escolhido uma entre várias saídas possíveis ao privilegiar um grupo que supostamente lucraria com a guerra em detrimento de fração dessa mesma burguesia cujos negócios com o país agredido simplesmente deixariam de existir durante o confronto. Já temos aqui um aumento do poder do indivíduo, que se move sim dentro de estruturas mas tem alguma margem para realizar escolhas dentro delas. Somamos a isso a influência da micro-história – que se baseia sim em estruturas, mas que muitas vezes chama a atenção para as formas como indivíduos ou pequenos grupos agem dentro delas, inclusive indivíduos considerados socialmente “subalternos” por aquele historicismo positivista dos Oitocentos – e o aparentemente inesgotável fôlego mercadológico das biografias – mesmo aquelas densas e feitas por historiadores profissionais – entre um público leitor não-especializado e podemos dizer que temos sim um certo ressurgimento de uma perspectiva que dá importância maior ao indivíduo na história, um ressurgir com roupagem e essência bem diferentes daqueles do século XIX mas em alguma medida dando continuidade a uma reflexão brutalmente interrompida pelo apelo político das “grandes visões de mundo” do século XX, notadamente a marxista. Minha intenção aqui é partir de uma reflexão específica presente em texto[i] do antropólogo Marshall Sahlins sobre o indivíduo na História e compará-la com um trabalho[ii] do historiador John Lukacs baseado exatamente na importância de dois indivíduos na definição de determinado evento histórico.

A reflexão de Sahlins parte de dois diferentes times americanos de beisebol, ambos campeões, para chegar a dois tipos de processos históricos, um no qual a importância do indivíduo é fundamental para que possamos compreendê-lo e outro que só pode ser entendido a partir da análise de um coletivo – o time em questão – e valendo-se de explicação que baseada em dados nos permitirá afirmar a superioridade categórica desse coletivo sobre seus adversários. No primeiro caso o campeonato é conquistado por um time oscilante, em ascensão mas aparentemente menos regular que o seu adversário direto; a campanha desse coletivo é marcada por altos e baixos, em percurso no qual salvo em um único jogo anterior à final ele está sempre atrás do primeiro colocado. No segundo caso o que temos é uma liderança inconteste e “de ponta a ponta” do time que viria a ser o campeão; o gráfico que indica a distância do time para seu adversário mais direto é quase linear, temos praticamente duas retas que só se cruzam – e muito rapidamente – no início do campeonato. Sahlins partirá dessas duas trajetórias para fazer – a partir de texto do historiador J.H.Hexter que faz exatamente essa comparação - o seguinte e interessante raciocínio: se no segundo caso a conquista do campeonato pode ser melhor explicada por uma série de dados referentes à qualidade de um coletivo (arremessos, rebatidas, home runs) no primeiro caso só é possível fazer uma análise histórica que leve em conta aquilo que foi certamente o destaque jornalístico do pós-jogo: o home run de Bobby Thomson que fecha a última e decisiva partida do campeonato de 1951 em prol dos New York Giants. É notar que aqui surge um nome, Bobby Thomson, e só então surge um time; por mais que a crônica esportiva – e isso é só suposição minha – pudesse aqui e ali elogiar as virtudes de um time e o próprio Bobby talvez humildemente lembrasse seus companheiros de conquista não há como ignorar o fato de que aquele home run não apenas será sempre a grande lembrança coletiva das testemunhas – oculares, auditivas ou meros conterrâneos contemporâneos – do evento como também será a melhor forma de narrar a história às gerações futuras. E “narrar” é o melhor verbo, em oposição ao “explicar” que cabe mais devidamente ao primeiro caso. Narrar a conquista quase linear do New York Yankees em 1939 seria algo ocioso e mesmo chato, seria narrativa de uma sucessão de vitórias com um ou outro tropeço em nada ameaçador; já a conquista dos Giants em 1951 não pode em absoluto passar sem a narrativa detalhada de um último jogo “páreo a páreo” até o final e desempatado em um lance único e inesquecível. Enfim: Sahlins parece defender que há basicamente dois tipos de eventos em relação à participação dos indivíduos – aqueles nos quais os indivíduos se perdem em algo definido por coletivos e outro no qual o indivíduo sobressai e é o grande responsável pelo resultado final. Será desse segundo tipo de evento que se ocupará John Lukacs em Junho de 1941[iii].

Lukacs escreve de forma bastante direta e não faz rodeios ao afirmar essa sua perspectiva metodológica já na introdução do livro, cometendo até uma flagrante generalização. A citação é um tanto longa mas merece ser reproduzida na íntegra, pela força e mesmo grau de combatividade intelectual que traz: “Em 1941, exatamente a 22 de junho, tudo dependia de dois homens, Hitler e Stálin. Isso em si refuta a opinião corrente dos cientistas sociais, segundo a qual a história, especialmente na era das massas, seria governada por amplas forças materiais e econômicas, não por indivíduos. A Segunda Guerra Mundial não foi somente marcada, mas decidida por personalidades, pelas preferências e decisões de homens como Hitler, Churchill, Stálin, Roosevelt”. Corrijo-me e aponto não uma mas duas generalizações aí. Uma decorre do radicalismo de Lukacs na defesa de sua metodologia: Hitler e Stalin não foram apenas os principais personagens do 22 de junho de 1941; tudo dependia deles. A segunda – a que primeiro me apareceu – refere-se aos “cientistas sociais”: embora seja inegável que a Sociologia pareça ainda mais agarrada a estruturas e menos permeável à recuperação do indivíduo pela qual passa a História é inegável também que “os cientistas sociais” é expressão que engloba uns tantos milhares de pessoas que ao redor do mundo trabalham com perspectivas teóricas e metodológicas as mais diversas, e certamente umas tantas delas encarariam ao menos com um pouco mais de simpatia a leitura do Lukacs. É preciso entender a afirmação também como retórica, como afirmação política de uma concepção acadêmica; mas também não é possível nos valermos disso para esvaziá-la e desde já desmerecermos a pesquisa do autor – é lembrar que John Lukacs é considerado por muitos não apenas um dos maiores (se não o maior) especialista em Segunda Guerra vivo como até um de nossos grandes historiadores contemporâneos.

Cabe uma explicação sobre o que veio acima. 22 de junho de 1941 é o objeto principal do livro de Lukacs, embora haja comentários sobre momentos anteriores e posteriores a essa data, com longa – para as poucas páginas do livro – análise das relações diplomáticas entre Alemanha e União Soviética anteriores a esse dia. A data não foi escolhida ao acaso, muito pelo contrário: marca o início da invasão da União Soviética pela Alemanha, dois países que até então eram ligados por um pacto de não-agressão; marca o que é para Lukacs – novamente ele é direto, categórico e polêmico aqui – a “verdadeira virada da Segunda Guerra Mundial. Mais importante que Pearl Harbor(...)”. E que tem o historiador a nos dizer sobre esse dia? Exatamente o que já foi exposto acima – ele só aconteceu porque de um lado tínhamos Hitler; e só aconteceu da forma como aconteceu porque do outro lado tínhamos Stálin. Lukacs demonstra que o plano de invasão da União Soviética existia para Hitler pelo menos desde julho de 1940, quase um ano antes e também menos de um ano depois da assinatura do pacto de não-agressão entre os dois países, proposto pelo próprio Hitler; existia aí, mas não exatamente antes disso – já era cogitado em Mein Kampf, mas seria bobagem – aqui Lukacs investe contra uma estrutura ideológica – acreditar que seria o “destino” do nazismo atacar a União Soviética, pelo ódio de Hitler ao “bolchevismo judaico”[iv]. Havia sim a idéia de lebensraum e o leste europeu estaria sim destinado ao povo ariano, mas o realismo político de Hitler seria suficiente – combinado com o messianismo e o Reich de mil anos, presume-se – para que ele não iniciasse uma guerra por simples ideologia. O que tivemos foi uma decisão racional – e absolutamente razoável, sob a lógica do ditador: o ataque à União Soviética privaria a Inglaterra (esse sim o verdadeiro inimigo a ser derrotado o quanto antes, o Império então comandado pelo irredutível Churchill) de uma das suas únicas esperanças no mundo – os Estados Unidos seriam a outra, mas contra eles Hitler por ora nada poderia fazer – e obrigaria aquele país a aceitar uma paz negociada com a Alemanha, paz que garantiria a Polônia e a rica Europa Ocidental (lembrando que em julho de 40 Hitler já havia em diferentes graus e formas conquistado a Tchecoeslováquia, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Noruega e, mais importante, França) aos nazistas. Foi esse o sentido do ataque concebido com um ano de antecedência: não derrotar o “perigo vermelho” e salvar a Europa Ocidental e cristã – embora assim tenha sido em parte vendido pelo regime e mesmo comprado por algumas autoridades políticas e religiosas – mas sim privar a Inglaterra de um possível aliado e forçá-la a uma paz que Churchill teimava em recusar. O lebensraum conquistado seria uma conseqüência agradável, mas não motivo suficiente para o ataque.

A intenção de Hitler está posta. Mas até onde ela não é – retomando nossas reflexões teóricas – uma mera expressão de uma lógica inerente ao regime? Até onde não é um ataque necessário a um sistema – aqui é importante lembrarmos de Hannah Arendt[v] - que não poderia se permitir a institucionalização, uma queda na dinâmica agressiva e combativa de seus anos de movimento político e paramilitar? A invasão da URSS seria vendida ideologicamente e mobilizaria os alemães contra um novo inimigo do país, mas antigo inimigo do movimento e da ideologia nazistas. E as questões econômicas? O quanto a economia alemã poderia funcionar como uma economia de guerra? Hitler precisava vencer a guerra que havia provocado o quanto antes, isolar a Inglaterra e evitar uma entrada dos Estados Unidos no confronto. Tudo isso é fato e merece ser levado em conta. Mas é preciso considerarmos também a importância de Hitler na conformação dessas mesmas estruturas que agora o impeliriam à guerra – o quanto o que era em 1940 o nazismo não podemos debitar ao gênio de seu Fuhrer? O quanto a economia alemã não foi orientada por decisão dele mesmo, a partir da concentração crescente de poder nas mãos do ditador? Aqui as controvérsias são várias e evidentemente opiniões outras podem ser apresentadas de forma convincente; mas pelas minhas leituras[vi] considero que seria preferível uma abordagem que corresse o risco de pecar pelo excesso ao superdimensionar o papel de Hitler a outra que subestimasse a importância do personagem.

Mas 22 de junho de 41 não foi apenas o dia de Hitler e da Alemanha; do outro lado da fronteira então estabelecida na extinta Polônia tínhamos Stálin e a União Soviética. A análise que Lukacs faz do georgiano diante da Alemanha é clara e implacável: Stálin não mediu esforços diplomáticos para evitar a invasão[vii], e estava a tal ponto convencido da fecundidade desses esforços que ignorou uma série de sinais – uma série realmente impressionante, narrada em detalhados números por Lukacs – que indicavam um iminente ataque alemão. Stálin imaginava – e com razão – que a Inglaterra tinha interesse em atraí-lo para um confronto com Hitler; considerava a ilha imperial isolada e desesperada por um aliado, consideração novamente correta e razoável, como já vimos partilhada pelo ditador nazista. O problema é que tal visão somou-se à conhecida paranóia do soviético e o fez enxergar todo e qualquer comunicado dando conta de uma invasão alemã como algo em maior ou menor grau informado ou mesmo planejado por britânicos, visando gerar um ataque preventivo da Alemanha pela URSS. Como resultado tivemos um Stalin surpreendido na cama pela agressão nazista, acordado por telefonema, vítima de um mutismo, de uma estupefação momentânea – e de uma crise subseqüente, que o fará isolar-se em sua dacha e mesmo a se questionar sobre se teria condições de liderar o país em momento como aquele. Comunicados de diplomatas os mais diversos, de países os mais diversos; aviões alemães cruzando o tempo todo o espaço aéreo soviético, em claras missões de reconhecimento; aumento no número de sabotadores capturados; intensa concentração de tropas na fronteira polonesa: nada disso foi suficiente para que Stálin acreditasse que seria atacado. Para Lukacs, a facilidade com a qual a invasão aconteceu tem um grande – se não único – responsável: Stálin.

E é aqui que retornamos em definitivo ao ponto inicial desse trabalho. A idéia de Lukacs é clara: 22 de junho de 1941 foi um dia no qual o destino do mundo esteve nas mãos de dois homens. Milhões de outros indivíduos já respiravam guerra; milhões já estavam sob ocupação nazista; os poloneses particularmente já sofriam os horrores da “supremacia ariana”, embora o Holocausto ainda não existisse; soldados espalhavam-se pelo mundo em vários fronts, do norte de África a ilhas no Pacífico. Todas essas pessoas tiveram um papel na guerra; mas foram os grandes líderes que orientaram o curso dos eventos. E naquele momento os líderes responsáveis pela invasão e pela a princípio quase inexistente resistência foram respectivamente Hitler e Stálin. Naquele dia os dois mudaram o curso da História para sempre.

Felipe Svaluto Paúl

Julho/2007



[i] SAHLINS, Marshall. “Cap 2: Cultura e ação na história” IN: História e Cultura – Apologias a Tucídides. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

[ii] LUKACS, John. Junho de 1941 – Hitler e Stálin. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.

[iii] Aqui seria até o caso de nos perguntarmos se Lukacs considera factível alcançar uma verdade histórica a partir de análises de coletivos ou estruturas quaisquer. Não tive tempo de ler o livro teórico dele – O Fim de uma Era -, que só consegui na véspera de entrega desse trabalho; mas li cinco dos sete livros dele editados no Brasil e neles se vê sempre análises de indivíduos, com ênfase nas relações entre diferentes personagens e em comentários por vezes bastante subjetivos sobre as características de temperamento, intelectuais e mesmo morais dessas pessoas e como elas explicam essa ou aquela decisão.

[iv] Aqui não é o caso de analisarmos o pensamento político de Hitler ou a ideologia nazista, talvez dos temas mais controversos da História contemporânea; só cabe seguirmos Lukacs e apontarmos que o ódio ao “bolchevismo judaico” era tanto realidade quanto propaganda e estratégia – Hitler era de fato anticomunista, embora admirasse Stalin e tenha várias vezes se mostrado mais feroz contra a ideologia como forma de conseguir apoio no Ocidente e manter a política de apaziguamento que tanto o beneficiou.

[v] ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras,

[vi] Destaco KERSHAW, Ian. Hitler: um perfil do poder. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993 e o próprio LUKACS, John. O Hitler da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

[vii] Na verdade, Lukacs mostra que Stálin mais de uma vez cogitou – e fez com que essas cogitações chegassem aos alemães – uma divisão do mundo em áreas de influência entre a Alemanha, a Itália, a União Soviética e o Japão – e proposta semelhante também foi feita separadamente à Itália. Lukacs parte disso e chega a concluir que “se Hitler tivesse detido seus exércitos em 1941, Stálin poderia se dispor a se tornar parceiro subalterno do Fuhrer, na verdade, a lhe entregar parte de seu Império(...)”

Sunday, May 27, 2007

O governo do Paraguai está certo

"Brasil imperialista" é o que se lê, nos últimos dias, em manchetes de jornais...paraguaios. Acusa-se o governo brasileiro de explorar o Paraguai por meio de Itaipu. Desde 2002, contudo, aprendi que temos uma "dívida histórica" com o continente. Exploramos índios (inclusive os bolivianos e paraguaios) há mais de 500 anos. No caso do Paraguai, é bom lembrar, houve a guerra, aquela de Caxias e Tamandaré - que ainda demanda por "justiça social e histórica". Quem deve pagar pelos danos causados ao país vizinho? Creio que seria até interessante criar uma "Secretaria para o Pagamento de Dívidas Históricas e Sociais" para que pudéssemos contabilizar não apenas o conflito paraguaio no cálculo de nossas dívidas, mas também os outros conflitos ocorridos desde 1500 até os dias de hoje.

Thursday, May 17, 2007

Aborto ou Pena de Morte?

Quando não estou pensando alguma impropriedade verbal a respeito de comunistas e caterva, estou pensando em como me livrar dos mesmos. Aquilo que o Reinaldo Azevedo colocou no seu blog, aquela citação do Austríaco Robert Musil (tenho que ler esse livro), a respeito da verdade, é uma grande verdade. É incrível como a esquerda, principalmente a do Brasil, consegue jogar com a psique das pessoas, e como eles conseguem tão facilmente uma legião de aliados incautos.

Como todos sabemos, tanto no México como no Brasil (e um pouco antes em Portugal), está na moda toda essa discussão a respeito do aborto. Eu realmente não sei exatamente porque isso surgiu nesse momento, nem sei porque essa seria uma bandeira das esquerdas.

O fato é que no Brasil já aconteceram fatos que nos levaram a discutir sobre temas como redução da maioridade penal, prisão perpétua e pena de morte. Não recordo de nenhum fato que me tenha feito pensar em aborto, exceto por casos isolados de crianças sem cérebro cuja gestação é levada a diante mesmo já se detendo o conhecimento da sua anomalia.

O caso do brutal assassinato do menino João Hélio, arrastado por vários quilômetros por menores foi o estopim do que hoje ainda se discute (cada vez menos, mas ainda se discute). Naquele momento discutiu-se em diminuir a maioridade penal dos 18 anos para os 16, o que eu acho razoável, quem sabe até os 14 anos de idade. Mas fixemo-nos nos 16 anos. Por um simples princípio de direito e dever, se podemos votar aos 16 anos, se nesta idade já temos o discernimento de poder decidir quem nos vai governar, e em última instância, quem vai influenciar o destino do nosso país e das nossas vidas, porque então não temos discernimento para responder pelos nossos atos? Que ser inimputável é este?

Lembro da fala de Lula que dizia que estávamos querendo colocar os nossos jovens na cadeia, que ao diminuir a maioridade penal, simplesmente estávamos transferindo um problema cujo culpado era a sociedade (sempre a sociedade - eu adoro essas culpas coletivas, porque sempre dão em nada, são uma cortina de fumaça), para os ombros de um pobre jovem que não teve oportunidades, que pelo ritmo que as coisas iam, logo logo baixaríamos a maioridade penal para o inocente feto no útero da mãe.

Eu lembro bem essa fala porque logo depois vieram o PT e as esquerdas com essa febre de aborto, então eu me perguntei: engraçado, o feto é inimputável, tanto que defenderam a sua inimputabilidade (nem que fosse como figura de retórica) e agora querem simplesmente matá-lo? Nada de cadeia, é morte mesmo!

Prefiro a figura de retórica daqui do México que diz algo como "Nós não aceitamos matar o estuprador, mas toleramos que se mate o seu filho?". Vou ser muito cru neste momento: eu se pudesse, mataria os dois.

ambm não sei o porque da aversão das esquerdas a respeito da pena de morte. Já deveriam estar acostumados, já que a sua história é tão rica nessa prática. Sendo que nos dias de hoje os condenados pelo menos teriam um julgamento justo e seriam condenados por crimes comuns, não crimes de consciência.

O que é mais fácil? Condenar um inocente feto à morte ou um assassino sanguinário como o Fernadinho Beira-Mar?

Com o leitor a palavra.

Thursday, April 26, 2007

Crítica a Hegel e à dialética hegeliana

Segundo Popper, Platão acreditava que as idéias, ou essências, existiam anteriormente às coisas. Estas, dadas as suas imperfeições, se encontram em um fluxo direcionado à decadência. Já Hegel, assim como Aristóteles, acreditava que as idéias, ou essências, são as coisas que se encontram no fluxo. De acordo com o autor, TUDO o que existe na realidade é uma idéia, mas é preciso distinguir entre a aparência e a essência já que ¨as coisas não são como elas aparentam ser¨. Assim como Platão e Aristóteles, Hegel concebia as essências das coisas, pelo menos dos organismos (incluso o Estado), como ¨espíritos¨. Porém, ao contrário de Platão, e assim como Aristóteles, Hegel pregava que a tendência geral era direcionada à idéia, ao progresso.

Apesar de o autor afirmar, assim como Platão, que a coisa perecível tem sua base na essência, e origina dela, Hegel insiste, em oposição a Platão, que até as essências desenvolvem. As essências estão consistentemente emergindo e criando por conta própria. E elas se impulsionam para uma auto-realizável e auto-realizada causa final aristotélica. A causa final, ou fim do desenvolvimento das essências, é o que Hegel chama de ‘The absolute Idea’ ou ‘The Idea’.

¨We can say that Hegel’s world of flux is in a state of ‘emergent’ or ‘creative evolution’; each of its stages contains the preceding ones, from which it originates; and each stage supersedes all previous stages, approaching nearer and nearer to perfection. The general law of development is thus one of progress; but, as we shall see, not of a simple and straightforward, but of a ‘dialectic’ progress.¨ Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

Continuando com Popper, Hegel, assim como Platão, enxergava o Estado como um organismo; e seguindo Rousseau, que o proveu de uma vontade geral, Hegel o proveu com uma essência consciente e pensativa; sua ¨razão¨ ou ¨espírito¨. Para um essencialista, conhecimento ou entendimento de um Estado deve claramente significar conhecimento de sua essência ou espírito. Daí a posição dos historicistas de que a maneira para obter o conhecimento de instituições sociais como o Estado é estudando sua história, ou a história de seu ¨espírito¨. O espírito de uma nação determina seu escondido destino histórico, e toda nação que quiser emergir na existência deve afirmar sua individualidade ou alma ao entrar no ¨Estágio da História¨, ou seja, guerreando com outras nações; o objetivo da guerra é o domínio do mundo. Hegel, assim como Heráclito, acredita que a guerra é o pai e o rei de todas as coisas. Assim como Heráclito, ele acredita que a guerra é justa.

Verifiquei pessoalmente se Popper tinha ou não razão. Vejamos alguns trechos do Philosophy of Right:

“finite pursuits are rendered unstable, and the ethical health of peoples is preserved. Just as the movement of the ocean prevents the corruption which would be the result of perpetual calm, so by war people escape the corruption which would be occasioned by a continuous or eternal peace.”

Parece-me bastante clara a afirmação de Hegel, considerando paz eterna algo corrupto. Lamentável.

¨325. Sacrifice for the sake of the individuality of the state is the substantive relation of all the citizens, and is, thus, a universal duty. It is ideality on one of its sides, and stands in contrast to the reality of particular subsistence. Hence it itself becomes a specific relation, and to it is dedicated a class of its own, the class whose virtue is bravery.¨

Quer dizer que, segundo Hegel, nós nos sacrificarmos diariamente pelo bem da individualidade do Estado, ou seja, nossos representantes, é um dever universal. Ou seja, o indivíduo, uma ¨mera abstração¨, é lixo descartável em prol da coletividade – o indivíduo concreto. Totalitário.

¨Addition.—Modern wars are carried on humanely. One person is not set in hate over against another. Personal hostilities occur at most in the case of the pickets. But in the army as an army, enmity is something undetermined, and gives place to the duty which each person owes to another.¨

A afirmação é de uma ridicularidade, de uma ignorância, de uma cretinice tão esdrúxula, que não merece comentários. O que diria ele se tivesse presenciado os atos da Primeira e Segunda Guerra Mundial?

¨The destinies and deeds of states in their connection with one another are the visible dialectic of the finite nature of these spirits. Out of this dialectic the universal spirit, the spirit of the world, the unlimited spirit, produces itself. It has the highest right of all, and exercises its right upon the lower spirits in world-history. The history of the world is the world’s court of judgment

Ou seja, os higher spirits têm TODOS os direitos sobre os lower spirits. Mas quem determina o que é um higher ou um lower spirit? Might is right? Certamente Popper tem bastante credibilidade em sua análise sobre Hegel.

Como já visto, Hegel parece partir do princípio de que a guerra é justa e, assim como Heráclito, Hegel generaliza sua doutrina a expandindo para o mundo da natureza, interpretando os contrastes e as oposições das coisas, a polaridade dos opostos, etc., como um tipo de guerra, e uma força mobilizadora do desenvolvimento natural. De acordo com Popper, são dois os pilares da filosofia hegeliana, a triagem dialética (tese, antítese e síntese) e a filosofia da identidade.

A dialética de Hegel

Kant, no The Critique of Pure Reason, faz um ataque violento à metafísica demonstrando que a razão especulativa é insustentável. Segundo Popper, Hegel jamais tentou refutar Kant. Ele distorceu a visão de Kant para o oposto. A ¨dialética¨ kantiana, o ataque à metafísica, se tornou a ¨dialética¨ hegeliana, o instrumento principal da metafísica.

Kant, sob influência de Hume, afirmou que a especulação ou a razão pura, quando se aventura em um campo que não pode ser confirmado pela experiência, está sujeita a se envolver em contradições ou ¨antinomias¨ e produzir o que ele descrevia por mera bobagem, ilusão, dogmatismo estéril, e uma pretensão superficial para o conhecimento de tudo. Ele tentou demonstrar que para cada afirmativa metafísica ou tese, a respeito por exemplo do começo do mundo dentro do tempo, ou a existência de Deus, pode ser contrastada uma antítese; e ambas podem proceder das mesmas premissas, e podem ser provadas com um grau equivalente de ¨evidências¨. Em outras palavras, quando saímos do campo da experiência, nossa especulação não pode ter status científico, já que para cada argumento pode haver um igualmente válido contra-argumento. A intenção de Kant, segundo Popper, era acabar de uma vez por todas com a ¨maldita fertilidade¨ dos escritores metafísicos. Infelizmente, o que Kant impediu foi o uso de argumentos racionais pelos metafísicos. Segundo Popper, nenhum dos escritores metafísicos que vieram após Kant tentou refutá-lo; e Hegel, particularmente, ainda teve a audácia de comemorá-lo por ¨reviver o nome da dialética, que ele restaurou a seu posto de honra¨.

¨He taught that Kant was quite right in pointing out the antinomies, but that he was wrong to worry about them. It just lies in the nature of reason that it must contradict itself, Hegel asserted; and it is not a weakness of our human faculties, but it is the very essence of all rationality that it must work with contradictions and antinomies; for this is just the way in which reason develops. Hegel asserted that Kant had analysed reason as if it were something static; that he forgot that mankind develops, and with it, our social heritage. But what we are pleased to call our own reason is nothing but the product of this social heritage, of the historical development of the social group in which we live, the nation. He taught that Kant was quite right in pointing out the antinomies, but that he was wrong to worry about them. It just lies in the nature of reason that it must contradict itself, Hegel asserted; and it is not a weakness of our human faculties, but it is the very essence of all rationality that it must work with contradictions and antinomies; for this is just the way in which reason develops Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

O engraçado é que Hegel sequer foi original. Já que Kant havia pensado que a razão especulativa freqüentemente produziria antinomias, onde os argumentos são tão válidos para uma tese quanto para uma antítese, a noção de que as antinomias talvez poderiam ser superadas por uma síntese (outro termo kantiano), que de alguma forma transcenderia as contradições, já estava corrente antes de Hegel, em Fichte. Segundo o doutor Kelley L. Ross, Hegel abraçou tal ¨lógica¨ de uma forma um tanto intensa, que a tese era uma afirmação (¨em si mesma¨), a antítese era a negação (¨para si mesma¨), e a síntese era a negação da negação (¨em si mesma e para si mesma¨).

Ordinariamente na lógica, uma dupla negação seria equivalente à negação, i.e. a afirmação. Negando isso, Hegel nega o princípio do terceiro excluído, que estabelece que uma afirmação P num sistema lógico formal é "ou verdadeira ou falsa" não podendo, portanto, ser nem "falsa e verdadeira" nem tão pouco "nem falsa nem verdadeira". Estas duas proibições constituem em si mesmas o terceiro excluído que delimita o espaço lógico das matemáticas tradicionais. Por isso, de acordo com Kelley, nenhum logicista de respeito jamais deu muita importância ao sistema de Hegel.

¨The formalism of Kant, and the Procrustean Bed of his architectonic, achieve a kind of mad apotheosis with Hegel's theory, where all the complexity of the world is apparently formally generated by multiplication of negations. Since this is ridiculous, either there is meaning that is not captured by the formalism of the Dialectic, which means that nothing is unambiguously derived by Hegel's "Logic," or negation itself becomes a mere metaphor for opposition or conflict, the way it is typically later used by Marxists (one of whose favorite phrases is about the "contradictions of capitalism").¨ Kelley L. Ross

A dialética hegeliana começa com uma tese, uma afirmação, o ¨Sendo¨. A negação disso é uma antítese, o ¨Não-Sendo¨. Ok. A negação da negação é então a síntese, o ¨Tornando¨. De fato, ¨Tornando¨ pode ser considerado a negação de ambos ¨Sendo¨ e ¨Não-Sendo¨, já que não é de fato nada nem o que virá a se tornar (o absoluto). Parmênides, no entanto, já havia negado que ¨Tornando¨ poderia preencher o buraco entre puro ¨Sendo¨ e ¨Não-Sendo¨. As coisas que vêm a ser requerem uma substância preexistente e durável, de modo que elas não sejam literalmente nada antes de elas se tornarem o que elas estão se tornando. Isso acaba com a dialética hegeliana, já que há claramente outros conceitos além da negação (como substância) requeridos para passar de ¨Sendo¨ para ¨Não-Sendo¨ e daí para ¨Tornando¨.

Além disso, apesar de Popper não negar que o progresso científico algumas vezes surge graças às críticas, posto que toda crítica científica consiste em apontar as contradições ou discrepâncias, e a evolução científica consiste largamente na eliminação das contradições sempre que descobertas; Popper afirma, no entanto, que a ciência procede de acordo com a premissa de que contradições são não-permissíveis e evitáveis, de modo que a descoberta de uma contradição força o cientista a fazer todas as tentativas possíveis para eliminá-la; e de fato, uma vez que uma contradição é admitida, toda a ciência deve entrar em colapso.

¨But Hegel derives a very different lesson from his dialectic triad. Since contradictions are the means by which science progresses, he concludes that contradictions are not only permissible and unavoidable but also highly desirable. This is a Hegelian doctrine which must destroy all argument and all progress. For if contradictions are unavoidable and desirable, there is no need to eliminate them, and so all progress must come to an end. But this doctrine is just one of the main tenets of Hegelianism. Hegel’s intention is to operate freely with all contradictions. ‘All things are contradictory in themselves’, he insists, in order to defend a position which means the end not only of all science, but of all rational argument. And the reason why he wishes to admit contradictions is that he wants to stop rational argument, and with it scientific and intellectual progress. By making argument and criticism impossible, he intends to make his own philosophy proof against all criticism, so that it may establish itself as a reinforced dogmatism, secure from every attack, and the unsurmountable summit of all philosophical development Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

A filosofia da identidade

De acordo com Popper, a filosofia da identidade não passa de uma aplicação da dialética de Hegel e consiste, nas palavras do próprio, em ¨fantasias, até mesmo fantasias imbecis¨. A principal idéia, e ao mesmo tempo a ¨ligação¨ entre a dialética hegeliana e sua filosofia da identidade, é a doutrina heraclitiana da unidade dos opostos. ¨O caminho que leva para cima e o caminho que leva para baixo são idênticos¨, Heráclito dizia, e Hegel repete a mesma coisa ao afirmar: ¨O caminho para o oeste e o caminho para o leste são os mesmos.¨

¨This Heraclitean doctrine of the identity of opposites is applied to a host of reminiscences from the old philosophies which are thereby ‘reduced to components’ of Hegel’s own system. Essence and Idea, the one and the many, substance and accident, form and content, subject and object, being and becoming, everything and nothing, change and rest, actuality and potentiality, reality and appearance, matter and spirit, all these ghosts from the past seem to haunt the brain of the Great Dictator while he performs his dance with his balloon, with his puffed-up and fictitious problems of God and the World. But there is method in this madness and even Prussian method. For behind the apparent confusion there lurk the interests of the absolute monarchy of Frederick William. The philosophy of identity serves to justify the existing order. Its main upshot is an ethical and juridical positivism, the doctrine that what is, is good, since there can be no standards but existing standards; it is the doctrine that might is right Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

Como tal doutrina foi derivada? Através de uma série de equívocos. Platão dizia que as idéias são reais, e as coisas perecíveis são irreais. Hegel adota de tal doutrina a equação Idéia = Real. Kant falava, em sua dialética, sobre as ¨idéias da razão pura¨, usando o termo ¨idéia¨ no sentido de ¨idéias existentes na mente¨. Hegel adota de tal doutrina que idéias são algo mental ou espiritual ou racional, o que pode ser expressado na equação Idéia = Razão. Combinando as duas equações, ou, segundo Popper, equívocos, temos Real = Razão; e isso permite que Hegel afirme que TUDO que é racional deve ser real, e TUDO que é real deve ser racional, e o desenvolvimento da realidade é o mesmo da razão. E já que não pode haver um padrão maior em existência do que o último desenvolvimento da Razão e da Idéia, TUDO que é agora real ou atual existe por necessidade, e deve ser razoável além de bom.

¨All that is reasonable is real, we have seen. This means, of course, that all that is reasonable must conform to reality, and therefore must be true. Truth develops in the same way as reason develops, and everything that appeals to reason in its latest stage of development must also be true for that stage. In other words, everything that seems certain to those whose reason is up to date, must be true. Self-evidence is the same as truth. Provided you are up to date, all you need is to believe in a doctrine; this makes it, by definition, true. In this way, the opposition between what Hegel calls ‘the Subjective’, i.e. belief, and ‘the Objective’, i.e. truth, is turned into an identity; and this unity of opposites explains scientific, knowledge also. ‘The Idea is the union of Subjective and Objective .. Science presupposes that the separation between itself and Truth is already cancelled.’¨ Karl Popper, The Open Society And Its Enemies

Vejamos se Popper tem razão. Verifiquei alguns trechos do livro Science is logic:

¨§133. Nothing, pure nothing: it is simply equality with itself, complete emptiness, absence of all determination and content −− undifferentiatedness in itself. In so far as intuiting or thinking can be mentioned here, it counts as a distinction whether something or nothing is intuited or thought. To intuit or think nothing has, therefore, a meaning; both are distinguished and thus nothing is (exists) in our intuiting or thinking; or rather it is empty intuition and thought itself, and the same empty intuition or thought as pure being. Nothing is, therefore, the same determination, or rather absence of determination, and thus altogether the same as, pure being

¨§134. Pure Being and pure nothing are, therefore, the same. What is the truth is neither being nor nothing, but that being −− does not pass over but has passed over −− into nothing, and nothing into being. But it is equally true that they are not undistinguished from each other, that, on the contrary, they are not the same, that they are absolutely distinct, and yet that they are unseparated and inseparable and that each immediately vanishes in its opposite. Their truth is therefore, this movement of the immediate vanishing of the one into the other: becoming, a movement in which both are distinguished, but by a difference which has equally immediately resolved itself.¨

¨ Being is being, and nothing is nothing, only in their contradistinction from each other; but in their truth, in their unity, they have vanished as these determinations and are now something else. Being and nothing are the same; but just because they are the same they are no longer being and nothing, but now have a different significance. In becoming they were coming−to−be and ceasing−to−be; in determinate being, a differently determined unity, they are again differently determined moments. This unity now remains their base from which they do not again emerge in the abstract significance of being and nothing. ¨

Vemos em tais trechos que como o conceito de ¨Sendo¨ (ou Being) é muito abstrato e sem conteúdo, ele está mais para o conceito de ¨Não-Sendo¨ (ou Nothing), o que significa que ¨Sendo¨ implica ¨Não-Sendo¨. Este é um argumento do tipo se extintores de incêndio são vermelhos, e vermelho está mais para rosa, então extintores de incêndio são rosa.

Como uma pessoa sã, ou pelo menos sensata, poderia levar a sério tais argumentos é incompreensível. ¨Não-Sendo¨ é similar em conteúdo a ¨Sendo¨ só porque é a negação de ¨Sendo¨, assim como o conjunto nulo é a negação, o complemento, do conjunto universal. Isso implica nada. A idéia de que a negação de um conceito se aplica igualmente para aquela cujo conceito pode ser afirmado simplesmente acabaria com a Lei da Não-Contradição. Algo desse tipo, de fato, é o ¨método¨ hegeliano; mas Aristóteles já havia entendido que qualquer coisa do tipo tornaria a afirmação de qualquer coisa sobre qualquer coisa absolutamente sem sentido. Assim, se eu afirmo que Hegel é um tremendo de um charlatão, tal assertiva pode ser contraditada pelos apologistas hegelianos, mas eles não podem negar a igual verdade de minha assertiva, ou que suas contra-argumentações estão implicadas, de acordo com o princípio de Hegel, pela minha. E suas afirmações de que Hegel era um grande filósofo implicam a minha de que ele era um charlatão. Os apologistas de Hegel não podem, entretanto, afirmar nada sem permitir que a negação está implícita em suas próprias assertivas. A lógica de Hegel não tem lógica NENHUMA.

Roberto Miranda Colares Júnior

Fontes:
Karl Popper, The Open Society And Its Enemies
Kelly Ross, Hegel (http://www.friesian.com/hegel.htm)
Hegel, Philosophy of Right
Hegel, Science is Logic
Hegel, Encyclopaedia of the Philosophical Sciences

Saturday, April 14, 2007

Não há alternativa à democracia

As "esquerdas" ainda cultivam a ilusão de que é possível uma alternativa à democracia, que sorrateiramente continuam designando como "burguesa" ou "capitalista". Por que isto é uma ilusão? Vamos às lições da história, com seus fartos exemplos ditatoriais.

No sangrento século XX, houve três grandes tentativas de "escapar" do sistema capitalista e das instituições democráticas (que, aliás, só funcionam razoavelmente bem nos países capitalistas): a nazista, a fascista e a comunista.

Nenhuma delas deixou qualquer contribuição em termos institucionais, ou seja, essas pretensas alternativas não produziram nem sequer uma "instituição nova", ou mesmo remendada. Se estendermos a questão ao campo da estética, veremos que não deixaram um só traço novo também nas artes ou na arquitetura. Nada, absolutamente nada.

Além do zero em estética, em termos institucionais apenas destruíram o que funcionava, solapando a democracia e produzindo os horrores que a história jamais esquecerá. Não deixaram dúvida de que ditadura, em qualquer tempo, é simplesmente ditadura, seja à esquerda ou à direita - seu único produto é a supressão absoluta das liberdades e dos direitos, quando não da vida.

Por mais frágeis que sejam, as instituições e as regras da democracia são o que criamos de melhor no labirinto da história em que nos movemos, sem a desvairada pretensão de profetizar uma "saída". Todas as tentativas de "superá-las", sob a ilusão de realizar o paraíso na terra, engendraram apenas o inferno. E, se há alguma diferença entre essas tentativas, é apenas quanto ao número de cadáveres que deixaram para trás.

Em relação à história, nenhum partido ou movimento tem a posse de um saber definitivo ou de uma verdade absoluta. Somente aprendemos (nem todos, é verdade) tentando: errando e, eventualmente, acertando. Mas sem a convicção de sermos os depositários de algum conhecimento superior ou exclusivo sobre a "finalidade" da história, isto é, seu miraculoso "fim último". Tudo isto não passa de uma teologia sem Deus.

Orlando Tambosi - Professor da Universidade Federal de Santa Catarina

Wednesday, April 11, 2007

O Aborto

O Aborto

Por Reginaldo Almeida (Desde a Cidade do México)

Não é para menos que o aborto esteja causando um debate acalorado. Foi em Portugal, está sendo no Brasil e aqui no México também. É interessante que o aborto, tanto no Brasil como no México sejam uma bandeira das esquerdas. Nunca me dei o trabalho de buscar ler a respeito ou mesmo formular algum tipo de lógica, mas eu simplesmente não acredito em coincidências.

Antes de ser candidato a pai (minha mulher está grávida de 10 semanas), tinha uma posição muito mais liberal a respeito do tema. Sei o que é ser adolescente, com todo o repertório de camisinhas e anti-concepcionais, não me considero um ignorante, e nem por isso posso dizer que não passei um ou outro apuro quando a bendita regra atrasou, e não posso negar que naqueles tempos eu não tenha considerado o aborto como uma opção válida.

O fato é que hoje eu vejo o ultra-som do nosso(a) filho(a) e vejo o coraçãozinho batendo e me pergunto: quem teria coragem de, vendo tudo isso, ainda assim dar fim a esse serzinho? Acontece que o nosso nenê foi planejado e desejado, e dentro dessas circunstâncias, tal ato seria impensável.

Mas antes de falar de ética, vamos falar de lei. Entendo que no México não é permitido, porém, no Brasil, se uma mulher resultar grávida fruto de um estupro, o conseqüente aborto está completamente amparado pela lei. Os mais açodados afirmariam que é uma vida igual a qualquer outra. Concordo. Mas infelizmente não existe gestação mais indesejada que a oriunda de um estupro. Obrigar uma mulher a levar dentro de si por 9 meses o produto de uma violência é querer submetê-la a outra violência. Nesse caso é acreditar que a vida do filho (produto do estupro) vale mais que a vida da mãe (que certamente estará em pedaços). Nesse caso vou com a mãe.

Apesar de ser contra o aborto, ainda assim sou pro-choice. Acredito que essa deva ser uma decisão da mulher ou do casal. O meu grande medo é que o aborto se banalize e vire apenas mais um método contraceptivo. E nisso eu vejo duas conseqüências concretas: um aumento no custo da saúde, já que seria um procedimento normal (ou seja, todos nós pagaríamos os abortos de alguns) e a própria saúde da mulher, já que sabemos que abortos repetitivos trazem consigo seqüelas no que tange à fertilidade.

Também me pergunto por que as mulheres não teriam o conhecimento adequado para usar os métodos contraceptivos existentes (aqui considero inclusive a pílula do dia seguinte - depois falo dela) mas sim o teriam para decidir abortar. Eu realmente sinto algum cheiro de casuísmo político.

E por falar em política, vamos falar um pouco de coerência. Mesmo sabendo que falar de PT e falar de coerência é o mesmo que pregar num deserto (isso vale para todos os partidos, ao PT lhe toca mais porque está no poder), eu me pergunto porque o PT reage tão rispidamente contra a instituição da Pena de Morte (ou a diminuição da maioridade penal - isso me lembra das tiradas da massa encefálica dentro do cérebro do Lula), mas ao mesmo tempo defende a legalização do aborto. Não entendo porque seria tão absurdo executar um criminoso que já tenha dado inúmeras provas de que nunca mais poderia voltar ao convívio da sociedade (Fernandinho Beira-Mar, Marcola, Elias maluco, etc), mas é razoável executar a um feto sem culpa. Apenas para a reflexão.

Apesar de ser contra o aborto, quem sou eu ou quem somos nós para apontar e julgar uma mãe que tenha optado pelo mesmo? Não acredito que o aborto se torne um esporte, e certamente, uma mãe que opte pelo mesmo, terá cicatrizes psicológicas pelo resto da sua vida. Como não creio que este seja um ideal de vida, acredito que realmente seria usado como último recurso. Mas defendo veementemente que seja estabelecido um limite muito estrito de quanto tempo seria o tempo razoável para realizar o procedimento. Já li 45 dias e penso que possa ser um prazo razoável para a detecção da gravidez.

Quanto à pílula do dia seguinte, na maioria dos estupros, a mesma já é uma medida profilática para evitar a gravidez indesejada, assim que nesses casos, se há ou houve um acompanhamento profissional do episódio, nunca se chegaria às vias de fato de um aborto.

E você leitor, o que pensa?

Thursday, April 05, 2007

Classe média

A conceituação de classe média pressupõe a existência de duas outras classes, uma alta(ricos) e outra baixa(pobres).

A classe pobre não possui intelectuais. Uma pessoa de origem pobre que acabe por ser tornar um intelectual(supondo que a pobreza não foi um impedimento para que alcançasse tal formação)provavelmente deixará de ser pobre. A remuneração de um trabalho intelectual, seja no setor privado, seja no público, coloca o indivíduo na classe média ou na alta.

Quando se critica, portanto, uma determinada reação como típica da classe média, o próprio acusador provavelmente pertence a esta classe, ou até mesmo a uma classe superior.

O indivíduo pode alegar que está apenas criticando a reação típica, e que, apesar de pertencer à classe média, o seu discurso foge à norma, pois é um intelectual. Mas o intelectual, devido à remuneração do seu trabalho, provavelmente não é pobre, apesar de esta poder ser sua origem. Ou seja, o próprio exercício da crítica é típico da classe média, ou até mesmo dos ricos.

Uma outra tentativa de reformular a crítica é dizer que, apesar de sua posição de intelectual provavelmente o ligar à classe média, seu comportamento se distingue por levar em conta os problemas dos pobres, enquanto os outros intelectuais apenas justificariam a posição do grupo a que pertencem. Mas afirmar isto é ser redundante, pois todos os intelectuais pertencem às classes mais elevadas e, portanto, os diferentes posicionamentos políticos estarão representados naquela parte da sociedade.

Dizer que se foge da norma por tomar partido de outra classe, quando na verdade toda atividade intelectual está contida na classe a qual se pertence, significa ignorar que "tomar partido dos pobres" é, portanto, uma posição ligada ao comportamento daqueles que possuem renda média e dos ricos.

A última opção que nos resta, portanto, é reformular a crítica à classe média como sendo legítima apenas quando parte de pessoas que possuem origem pobre. Ou seja, seria através destas pessoas que a voz dos pobres ganharia força. Necessitamos de uma análise empírica para testar esta hipótese, a saber, se os intelectuais de origem pobre aderem ou não ao discurso crítico da posição de classe média. E, do ponto de vista histórico, investigar se os intelectuais que primeiro formularam esta crítica eram de origem pobre.

Mas uma outra análise empírica nos revelará uma informação importante: se a maior parte dos intelectuais que criticam a classe média enquanto grupo possui origem pobre.

Saturday, March 24, 2007

Caos aéreo: uma proposta

Há algo de interessante em ficar nos aeroportos por muito tempo. Pode-se observar a “elite” dos aeroportos: desde políticos de esquerda, líderes sindicais, estudantes, artistas, o padeiro da esquina até seu vizinho médico.

Uma “elite” bem abrangente, não? Todos sofrem com o atraso dos vôos que, desde o acidente do Gol*, tornou-se subitamente frequente no Brasil.

Afirmam que há uma “operação padrão” e uma comissão foi criada para investigar, embora o objetivo não seria o de procurar culpados (o que deixa qualquer um perplexo com esse gasto de dinheiro público).

Outros dizem que tudo melhoraria se o controle aéreo mudar de militar para o civil, mas não explicam como isto resolveria o problema do tal “radar” ou do Cindacta 1. Seria um homem sem uniforme melhor para operar um radar do que um militar?

Até onde sabemos, a vestimenta não influi no grau de (in)competência de quem faz o serviço. Em meio ao tumulto dos aeroportos, há invariavelmente dois tipos de opiniões: uns acham que a culpa é das companhias e, outros, que é do governo.

É difícil cobrar perfeição das companhias se não possuem informações dos controladores. Por outro lado, falhas de administração são, no mínimo, motivo para levar os funcionários de volta às aulas de pesquisa operacional. De quem é a culpa? Aparentemente, se sabe que não é dos consumidores.

O que fazer? Uma sugestão simples: incentivos econômicos. Crie-se uma multa, na forma de devolução de parte do valor da passagem. Não é uma idéia nova, mas talvez o que não tenha sido pensado é sobre quem deve arcar com o ônus da multa.

O valor do ressarcimento seria dividido entre a Anac e a companhia aérea. Seria uma média ponderada na qual os pesos seriam definidos pela responsabilidade de cada um. Como medir isto? Há várias formas.

Uma opção seria fazer uma pesquisa com os passageiros. Numa cédula simples, a culpa é: a) da Anac; e b) da companhia.

Votos em branco contariam contra ambos. Um acordo com as companhias de telefonia celular tornaria essa votação barata e de apuração imediata (um placar no aeroporto tornaria pública a divisão do valor da multa, sem necessidade de criar outro órgão para fiscalizar a pesquisa...).

Como seriam pagas as contas? No caso da companhia, obviamente, os recursos sairiam da empresa em forma de retorno monetário para os passageiros: um DOC é muito fácil de ser feito hoje.

No caso da Anac, os recursos sairiam de seu orçamento (ou, para facilitar a vida dos burocratas, poderiam ser abatidos no Imposto de Renda das pessoas, obviamente com a mesma correção aplicada às parcelas devidas).

Em outras palavras, ambos seriam punidos pelo custo que impõem aos consumidores, que compram as passagens, não descumprem o compromisso de pagá-las e chegam no aeroporto no horário.

Justiça social é isto: cada um arca com os custos de suas ações e é recompensado por elas. No caso de falhas, a recompensa é negativa. Nada mais justo.

CLÁUDIO SHIKIDA - economista e professor do IBMEC-MG

artigo originalmente publicado no jornal O TEMPO, na Quinta-feira, 22 de Março de 2007.
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*para saber mais detalhes sobre o acidente citado no texto, o leitor pode consultar o especial feito pelo Folha de São Paulo aqui.